03 Pão
Revista Feira edição 03

“O pão não existe na natureza, e somente os homens sabem fazê-lo, tendo elaborado uma sofisticada tecnologia que prevê (desde o cultivo do grão até a preparação do produto final) uma série de operações complexas, fruto de longas experiências e reflexões. Por isso, o pão simboliza a saída do estado bestial e a  conquista da ‘civilização’.”

Com as palavras de Massimo Montanari apresentamos a terceira edição de FEIRA, dedicada a esse alimento que, como bem observou o historiador italiano, cumpre a função simbólica de distinguir a identidade das bestas da dos homens, capazes de construir artificialmente a própria comida, uma comida não existente na natureza.

A tecnologia de produção do pão, avanço revolucionário para nossa espécie, foi, ao longo do século passado, irresponsavelmente simplificada por atalhos criados pela grande indústria, com graves consequências. Esquecemos o processo vivo de fermentação que os egípcios teriam descoberto acidentalmente há milhares de anos. O pão que passamos a comprar em supermercados é um produto inteiramente diferente: o que antes tinha apenas três ingredientes pode, atualmente, chegar a quase trinta.

A quem interessa isso? É a pergunta que parece ecoar nas vozes de uma nova geração de padeiros que vem se multiplicando mundo afora, protagonistas de um movimento de revalorização do pão que, no Brasil, está apenas no começo.

A respeito desse assunto, conversamos longamente com o jornalista Luiz Américo Camargo, autor dos livros Pão Nosso e Direto ao Pão. Em entrevista concedida a FEIRA, ele faz uma análise da dinâmica dessa “redescoberta”.

Que contornos ganha esse movimento em terras brasileiras? Foi o que procuramos entender na extensa reportagem que ilustra esta edição e que nos levou a ouvir diversos profissionais de diferentes regiões do País.

Como falar de pão é falar de partilha, não haveria momento melhor para dar um passo que sempre desejamos: acolher no projeto de FEIRA mais vozes, novos olhares. Rachel Bonino radiografa a evolução histórica da atividade dos moinhos no Brasil e vislumbra o futuro que o mercado timidamente começa a ousar. Cíntia Bertolino se desloca da bolha do público consumidor de filões de fermentação natural e esquadrinha o consumo de pão no País por meio da dura régua da realidade. E, como há poucas ligas tão presentes e complementares na culinária global quanto pão e manteiga, Eduardo Tristão Girão, um dos maiores conhecedores da produção de lácteos no País, traz-nos o relato da visita a um talentoso e peculiar produtor em São Carlos, São Paulo. A história contada por Girão ganha profundidade nas imagens registradas pela fotógrafa Nani Rodrigues, dona de um olhar fecundo de brasilidade.

De volta nesta edição, José Pedro Fonseca, num exercício de técnica e imaginação, propõe sua receita de pão francês, uma abordagem artesanal e acessível ao pão mais consumido no País.

Visitamos ainda a micropizzaria Ferro e Farinha, no Rio de Janeiro, onde o nova-iorquino Sei Shiroma estabeleceu um divisor de águas no que se refere à qualidade da massa nas fornadas das pizzarias cariocas.

Além-mar, fomos conhecer a padaria lisboeta Gleba, cuja produção de pães de fermentação natural encontra alicerce na moagem própria de grãos exclusivamente portugueses.

Em entrevista concedida à jornalista Maria Canabal, em Paris, ouvimos Apollonia Poilâne, terceira geração de uma família de padeiros no comando da boulangerie que é um verdadeiro ícone da panificação francesa, cuja emblemática miche tem a força das coisas que resistem ao tempo e aos modismos.

Fevereiro de 2020, Constance Escobar e Thiago Nasser
Colaboradores
Adriana Macedo-Soares Fotógrafa com graduação em Iluminação e Câmera Cinematográficas pela Universidad del Cine em Buenos Aires e Audiovisual pela Universidade de Brasília (UnB). Acha quase tudo fotogênico, principalmente concreto, comida e gente. Mora em Brasília e não vive sem café.
Cíntia Bertolino Jornalista, escreve sobre alimentação e cultura há mais de uma década. Foi repórter do caderno paladar, suplemento de gastronomia do jornal O Estado de S. Paulo, de 2007 a 2011. Mestre em Comunicação e Cultura Alimentar pela Università degli Studi de Scienze Gastronomiche, em Pollenzo, Itália.
Eduardo Tristão Girão Jornalista gastronômico premiado com a Medalha do Dia do Estado de Minas Gerais e o troféu Eduardo Frieiro. Foi repórter do jornal Estado de Minas e já colaborou com diversos outros veículos. Atualmente, dedica-se a pesquisas, eventos, palestras e consultorias sobre queijos especiais mineiros.
Gui Cerqueda Formado em Adminsitração, é responsável pelo financeiro de FEIRA e da Junta Local. Nas horas vagas, anda com uma câmera a tiracolo, uma espécie de extensão natural do seu olhar. Detesta foto posada.
José Pedro Fonseca Formado em culinária pelo French Culinary Institute, em Nova Iorque, José Pedro Fonseca vive no Rio de Janeiro desde 2010. Esteve à frente da Maison do Zé, extinta em 2018, e atualmente se dedica à panificação e à confeitaria na CB Pane.
Maria Canabal Premiada jornalista de gastronomia e presidente do Parabere Forum, uma cúpula global que realça as vozes das mulheres e expõe suas opiniões acerca das principais questões relacionadas à alimentação.
Nani Rodrigues Mineira, mas vive por aí, Brasil (e mundo) afora atrás de uma boa refeição e uma bela história. Sempre limpa o prato e nunca esgota o papo. Ama comida e gente em doses generosas e descobriu no ofício de fotógrafa e documentarista uma maneira de guardar para si e para os outros toda essa beleza que vê, escuta e prova.
Rachel Bonino Jornalista de São Paulo, tem pós-graduação em Gastronomia: História e Cultura (Senac). Desde 2013, escreve o blog Sacola Brasileira. Assinou coluna homônima ao blog na Revista Menu. Paralelamente, encabeça a micropadaria Fatia Pães Artesanais, na Serra da Cantareira (SP).
Nesta edição
Ferro e Farinha
Nossa opinião sobre a pizzaria do nova-iorquino Sei Shiroma no Rio de Janeiro
Fora da Bolha
O consumo de pão no Brasil que não conhece o levain.
Gleba
A história por trás da padaria de Diogo Amorim em Lisboa
Novo Velho Pão
Os novos caminhos da panificação artesanal no mundo e seus ecos no Brasil
Poilâne
A propósito do novo livro de Apollonia Poilâne, uma breve entrevista com a padeira que é a terceira geração da família no comando de um ícone da panificação francesa
Ponto de Vista: Luiz Américo
Em entrevista, o jornalista Luiz Américo Camargo faz uma análise lúcida e profunda do atual cenário da panificação no Brasil
Um pão bem quente com manteiga à beça
A produção artesanal de manteiga fermentada da Caseirinho
Águas passadas não movem moinhos
Uma radiografia da evolução histórica da atividade dos moinhos de trigo no País – e um vislumbre de futuro