TEXTO: CONSTANCE ESCOBAR
FOTOS: DIVULGAÇÃO
“Ó, pai, por que a fila é tão grande?”, perguntou o menino que estava logo atrás de mim. “Porque o pão é bom”, respondeu o pai. Em poucas palavras, resumiu o motivo pelo qual todos nos concentrávamos diante do balcão da Gleba naquela manhã de sábado, quando apenas duas horas depois da abertura da padaria já se haviam esgotado os especiais do dia, restando apenas os pães da produção permanente.
Embora o sucesso que vem perpetuando filas de espera na padaria lisboeta pareça elementar, o caminho que Diogo Amorim trilhou para chegar ao êxito não foi curto nem direto, mas sinuoso, como acontece com todas as vias que nos levamaos destinos que realmente importam.
O jovem padeiro de pouco mais de vinte anos sabia o que queria: produzir pães de fermentação natural a partir de um processo com a maior rastreabilidade possível. Isso implicaria, na ponta inicial da cadeia, estabelecer uma relação com os agricultores que cultivam os cereais que utiliza, e, na ponta final, fazer a própria moagem.
Inclinado a trabalhar exclusivamente com cereais portugueses, viajou pelo país em busca de agricultores dispostos a cultivar certas variedades regionais. “Fiz uma parceria com agricultores para que se sentissem motivados a plantar essas variedades de grãos. É preciso ter um compromisso que compense o cultivo. Dificilmente se consegue mudar mentalidades se não houver uma compensação monetária, afinal, eles vivem da agricultura. Se eu lhes peço que cultivem uma variedade menos produtiva, preciso pagar por isso”, relata Diogo.
Graças a essa parceria, recebe em Lisboa trigo barbela, trigo do Alentejo, milho do Minho, de Aveiro e do Ribatejo, centeio trasmontano e, mais recentemente, espelta. “Espelta é um trigo da moda, mas em geral é importado, vem de longe. Eu só quis usar quando consegui um agricultor daqui que se dispusesse ao cultivo. Esse é um trabalho difícil, mas necessário. Portugal é um país que ainda importa a maior parte dos cereais panificáveis que consome. Produz-se pouco para panificação. É preciso que haja interesse dos padeiros para que os agricultores se sintam motivados a produzir esses cereais”, pondera.
Garantidos os grãos, tinha uma obstinação: aventurar-se na moagem. “A farinha está em seu momento máximo de aroma e nutrição quando acabada de moer. Uma farinha que viaja perde no caminho algo de sua magia, especialmente se a moagem for industrial”, justifica.
O padeiro visitou pequenos moinhos, conversou com dezenas de moleiros e encontrou em um deles o mestre que procurava. “Em Portugal, os moinhos pequenos já não são muitos, mas resistem especialmente nas terriolas. Ainda há algumas dessas pequenas moagens industriais antigas, que passaram de geração para geração. Visitei dezenas de moleiros e um deles em especial, numa terriola perto d’Alcobaça, me ajudou muito. Eu ia lá todas as semanas, ele se chateava com tantas perguntas, é uma pessoa antiga, mas me ensinou tudo, foi meu verdadeiro mestre em moagem.”
Antes de inaugurar a padaria, Diogo fez o percurso que grande parte dos novos padeiros têm feito ao longo dos últimos anos: viajou a São Francisco, na Califórnia, para conhecer a Tartine Bakery. Não nega essa influência, mas questiona até onde ela deve ir. “A Tartine é uma referência. De fato, é até mais do que uma referência porque há muitas pessoas que copiam aquele estilo de pão. No nosso caso, sem dúvida, nos inspiramos nesse estilo, mas procuramos honrar as tradições locais que se têm em Portugal. Nesse nicho da nova onda da fermentação natural, os pães se tornaram todos muito parecidos. Nós procuramos nos diferenciar.”
Se o pão que faz com trigo barbela segue o estilo de longa fermentação da Tartine, a broa de milho branco, por exemplo, evoca uma tradição que implica um processo completamente diferente e resulta em um pão muito característico. As massas não são levadas ao frigorífico, ao contrário, o milho é escaldado. Trata-se de uma fermentação curta em temperaturas altas. Por ser uma massa que não é elástica, não faria sentido fermentar longamente. “Precisamos olhar para as nossas tradições porque são nossas referências. Essa broa de milho é um pão que não se vai comer fora de Portugal. Mesmo em Portugal, há dezenas, talvez centenas, de broas diferentes, uma não é igual a outra, cada região, cada família tem sua maneira de fazer”, reflete.
Eu experimentei uma das broas de milho da Gleba dias antes de entrevistar Diogo e, mesmo sem conhecer ainda as nuances do caminho que o levou àquele resultado, intuitivamente, entendi que estava diante de um pão particular, único mesmo, clara expressão do que quer que se entenda por terroir.
Não por acaso, é o pão que costuma comover seu público mais fiel: “Lisboa tem muita gente da província, descendentes de famílias que migraram do campo para a cidade. Nessas pessoas encontramos um sentimento de nostalgia, elas identificam no pão da Gleba sabores, características do pão que suas avós faziam. Acontece especialmente com as broas. Vejo nisso uma indicação de que estou num bom caminho.”
GLEBA MOAGEM & PADARIA
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