TEXTO: CONSTANCE ESCOBAR
FOTOS: SAMUEL ANTONINI

Sorveteria do Centro

Quatro meses haviam se passado desde a inauguração, mas a fila ainda dobrava a esquina na tarde de sábado em que estive pela primeira vez na Sorveteria do Centro. Gente de todas as origens e idades se apertava na calçada da rua Bento Freitas à espera de uma simples casquinha de sorvete. Bem, não tão simples.

O conceito não é novo. De Tóquio a Nova Iorque, multiplicam-se mundo afora grifes que vêm dando ao soft serve tratamento artesanal e explorando esse estilo de sorvete muito além do trivial.

Se fora do Brasil o conceito é difundido, aqui talvez seja pela primeira vez bem explorado na sorveteria que é a mais recente empreitada do chef Jefferson Rueda, a poucos passos do seu restaurante A Casa do Porco.

Para sua concepção, Rueda contou com a talentosa confeiteira Saiko Izawa, que se desligou da casa poucos meses após a inauguração, depois de ter trabalhado ao lado do chef por muitos anos – desde o extinto restaurante Attimo, passando em seguida pela Casa do Porco. Juntos, ousaram evocar, num minúsculo espaço no Centro de São Paulo, a ideia que inspirou tantos estabelecimentos além-mar.

Os sorvetes podem ser servidos puros ou em versão sobremesa. Da massa às delicadas casquinhas (feitas com corantes naturais), tudo é artesanal.

Entre os sabores permanentes, há lugar para o incontornável chocolate (aveludado, sem excesso de açúcar), que na versão sobremesa ganha a companhia de calda de chocolate e miúdos brigadeiros. Há também um delicioso sorvete de leite com baunilha que se basta, mas que é igualmente gostoso na companhia de goiabada cremosa, doce (e telha) de goiaba e folhas de poejo.

No cardápio fixo há ainda sabores de frutas, feitos à base de água, sem leite. Como o morango, que pode brilhar sozinho ou acompanhado de suspiros, pedaços da fruta (ora liofilizada, ora in natura) e sementes de aroeira, que proporcionam delicado contraste.

Já houve também cupuaçu, pitanga e jabuticaba – esta última voltou ao cardápio nos últimos meses.

Em minhas duas primeiras visitas, o sabor da temporada era pitanga, que resultava em um gostoso sorvete, embora houvesse o inevitável gosto residual proveniente dos caroços. Na versão sobremesa, surgia ao lado de suspiros, melaço e mochi. A presença dos suspiros me pareceu desnecessária, a do melaço era agradável, mas o que justificou interjeições foi o diálogo do gelado com a textura do mochi.

Na terceira visita, já posterior à saída de Saiko, a principal diferença, a meu ver, foi justamente a ausência do mochi entre os toppings. Percebi que não era mencionado em nenhuma das opções anunciadas na lousa. Perguntei às funcionárias, que me confirmaram que de fato fora retirado do cardápio. Uma pena.

Nesta investida mais recente, a fruta da vez era a jabuticaba, que podia contracenar com suspiros, marshmallows e calda da fruta com chia, conjunto que achei excessivamente doce.

Ainda me aventurei na leitura artesanal do famigerado napolitano (morango, leite e chocolate), que de certo modo me redimiu da lembrança do sorvete industrializado que aterrorizou minha infância.

Em cada uma destas criações, o que se propõe é artesanato de qualidade no contexto de um projeto que soa democrático em todos os sentidos: do endereço onde se instalou aos preços praticados. Mais uma vez, os Rueda (que souberam tão bem valorizar aquela região da cidade desde a inauguração do Bar da Dona Onça e, mais recentemente, com A Casa do Porco) se empenham em provar que boa comida é para todos.

 

SORVETERIA DO CENTRO
Rua Epitácio Pessoa, 94
Centro – São Paulo

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