“Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.” Nas palavras do poeta português Fernando Pessoa, buscamos inspiração para o tema da segunda edição de FEIRA: o lado doce da cozinha.
No Brasil, não tão doce: aparentemente ainda estamos longe de esgotar as lições que a confeitaria tem a nos ensinar. Aqui, confeiteiros dificilmente alcançam a mesma projeção e os mesmos salários de chefs de cozinha. Na maior parte de nossos restaurantes, eles são vistos como figuras dispensáveis. Mesmo entre estabelecimentos renomados, não são muitos os que contam com profissionais especializados em suas cozinhas. Se deslocamos o foco e passamos às confeitarias de rua, o cenário não é mais promissor para os entusiastas deste ofício. São raros os bons endereços que conseguem longevidade. Alguns dos melhores que vimos surgir nos últimos anos acabaram fechando suas portas.
Como explicar o paradoxo de um país ser, ao mesmo tempo, grande produtor e consumidor de açúcar e ainda lidar com a confeitaria como um segundo escalão na gastronomia?
Munidos desta indagação, ouvimos a confeiteira Joyce Galvão, autora de A Química dos Bolos e idealizadora do congresso Compartir. Em entrevista concedida a FEIRA, ela faz uma análise crítica desse panorama, plantando em nós ainda mais perguntas.
Em busca de respostas, conversamos ao longo de meses com cozinheiros, confeiteiros, professores, pesquisadores, jornalistas e outros formadores de opinião, a quem propusemos também a seguinte reflexão: existe uma confeitaria brasileira? Em que consiste? Onde estão suas raízes? Para onde aponta seu futuro? Essas são algumas ponderações que permeiam as linhas da reportagem que estampa as páginas desta edição.
Na crença de que alguns destes possíveis caminhos futuros podem se descortinar a partir de um olhar mais atento para nossas origens, saímos em campo no encalço de referências de sabor doce anteriores à introdução do açúcar no Brasil pelo colonizador: aprendemos sobre a produção de mel de abelhas nativas com o meliponicultor André Luiz Trindade Brito, na Ilha Grande, litoral fluminense, e sobre o cultivo de frutas nativas no Sítio do Bello, em Paraibuna, São Paulo.
Conversamos também com o italiano Andrea Panzacchi, que encontra motivação no desafio de trabalhar com essas frutas em sua sorveteria, a Vero, em Ipanema, no Rio de Janeiro.
Convidamos especialistas para uma degustação na tradicional Confeitaria Colombo, a fim de saber se a centenária confeitaria no Centro do Rio tem algo a oferecer além de história. Visitamos a Sorveteria do Centro, a mais recente empreitada do chef Jefferson Rueda no Centro de São Paulo, que investe no conceito que inspirou tantos estabelecimentos além-mar, ao explorar o estilo soft muito além do trivial. Em Nova Iorque, fomos ao encontro do precioso artesanato da confeiteira japonesa Ayako Kurokawa em sua loja Burrow, no Brooklyn.
Contamos ainda com a colaboração de José Pedro Fonseca, cozinheiro que estuda obstinadamente métodos e processos, cuja obsessão da vez é alcançar bons resultados na produção de sorvetes em ambientes domésticos. Mais do que propor receitas, ele ajuda o sorveteiro caseiro a compreender a lógica por trás desse preparo tão complexo quanto delicioso.
Por fim, gostaríamos de registrar que a colaboração de todos aqueles que se engajaram em nossa campanha de financiamento coletivo tornou possível a impressão não apenas da primeira edição, mas também desta segunda. Seguimos em busca de um modelo de publicação que nos permita manter a independência, a diversidade e a profundidade que nos norteiam desde a gestação deste projeto.