TEXTO E FOTOS: CONSTANCE ESCOBAR
“Fronteiras não querem dizer muita coisa. Um cozinheiro da costa indiana ou americana, brasileira ou libanesa me parece mais próximo que muitos dos meus colegas franceses, porque estamos conectados por correntes abissais e ventos marinhos.” A confissão feita no livro Trois étoiles de mer diz muito sobre Olivier Roellinger, que nasceu em Cancale, na Bretanha, e mantém, a poucos metros dali, numa casa debruçada sobre a baía do Mont Saint-Michel, um pequeno hotel, o Château Richeux, e o restaurante Le Coquillage (aberto também a não hóspedes), onde realiza um trabalho singular.
Das ostras servidas no café da manhã à carta de infusões sugeridas ao fim das refeições, tudo alude ao mar. Dos mariscos aos brotos das falésias e diferentes algas, a baía se materializa em cada bocado concebido naquele lugar. Mais do que matriz de recursos, ela é fonte de inspiração, povoando de significados a cozinha deste que é um dos mais importantes chefs da França.
A natureza do entorno poderia ser apenas norte de escolhas pautadas por coerência e sustentabilidade, e isso já seria muito. Mas esse protagonismo vai além de simplesrepositório de matéria-prima a ser conservado. Na cozinha corsária de Roellinger, o mar está presente naquilo que nele há de imaterial: o poder histórico e cultural que o horizonte evoca. No uso das especiarias, em combinações inimitáveis, ele encontrou a linguagem para expressar essa riqueza.
Dessa convergência de simbolismos, surgiram criações que se tornaram clássicos de seu repertório, como a lagosta com cacau,baunilha, pimentas e jerez. Mas a surpresa pode surgir em pratos com menos pedigree. O que me emudeceu na última visita foram pequenos camarões, tão doces quanto miúdos, que coroavam um naco de rodovalho e davam sabor a um caldo cheio de nuances, perfumado com gengibre e rum.
Cada detalhe revelado a quem se hospeda no Château Richeux e tem o prazer de ali fazersuas refeições parece fugir à lógica que vem tornando as cozinhas de chefs premiados cada vez mais parecidas umas com as outras. Enquanto boa parte delas aparentemente poderia estar em qualquer lugar do planeta, sem que isso fizesse muita diferença, é difícil imaginar o trabalho concebido por este cozinheiro bretão em outro canto que não aquele pedaço de terra cujos limites se expandem e se retraem ao sabor dos movimentos das marés. Nos domínios de Roellinger, vislumbra-se um senso de pertencimento que soa cada vez mais raro num mundo onde as pessoas se deixam governar por uma frágil ilusão de ubiquidade.
CHÂTEAU RICHEUX/LE COQUILLAGE
Le Buot — Saint Méloir des Ondes
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