TEXTO: CONSTANCE ESCOBAR E THIAGO NASSER
FOTOS: BEL CORÇÃO

Confeitaria Colombo: apenas história?

Por um lugar à mesa na Confeitaria Colombo é preciso esperar. As longas filas diárias, formadas quase inteiramente por turistas, requerem paciência. Finda a espera, acomodados sob a imponente claraboia, os visitantes podem se permitir admirar sem pressa o salão em estilo Art Nouveau, com seus detalhes refletidos nos lendários espelhos trazidos da Antuérpia, emoldurados em jacarandá.

Esta sofisticação com ares de Europa atraiu legiões na virada do século XIX para o XX. Políticos, comerciantes, literatos, boêmios e até malandros (cantarole mentalmente a marchinha Sassaricando) passavam pelo salão. E não era só isso. O que se comia e bebia ali tinha papel importante. Por meio século, a Colombo foi uma das principais referências gastronômicas do Rio de Janeiro.

Graças a ela, cariocas (ao menos os mais abastados) conheceram novidades comestíveis importadas de alhures e receitas inspiradas em clássicos portugueses e franceses.

Num lugar cultuado por sua monumentalidade natural, a confeitaria é um dos mais preservados remanescentes de uma época em que a cidade foi reinventada para se adequar à ideia de progresso. Era urgente divorciar- se do passado colonial. O País e sua capital buscavam se afirmar no mundo, ainda que isso significasse reproduzir os planos urbanos de outras cidades: os de Paris, mais precisamente.

A reforma de Pereira Passos levou abaixo cortiços e casas coloniais para dar lugar a ruas alargadas com calçadas – verdadeiros boulevards. O Centro passou a ser frequentado, palco de todo tipo de flâneur. Os cafés se multiplicaram junto com a vida boêmia e intelectual. Cada círculo tinha seu ponto de encontro. As  confeitarias se situavam num patamar acima, pois, com sua respeitabilidade e sofisticação, eram locais “adequados” para famílias e damas. Figuraram entre os primeiros lugares onde mulheres podiam circular sozinhas, ainda que apenas até certo horário. À época da inauguração da Colombo, em 1894, existiam  estabelecimentos mais famosos, como a Carceler, onde o de rigueur eram pirâmides de sorvete feito com gelo importado. Havia ainda Paschoal, Castellões, Menéres, Lallet e Cavé – esta última ainda resiste e é hoje a mais antiga confeitaria em funcionamento no Rio de Janeiro. Todas respiravam os ares da Belle Époque e no cardápio traziam o mais inovador em matéria culinária: bolos, tortas, sorvetes, salgados, biscoitos. Tudo servido em porcelanas finas, muito cristal, acompanhado por talheres de prata.

A ementa era composta por pastéis de nata, éclairs, mil-folhas, brioches, bolo inglês, Rivadávia, casadinhos, sorvetes e doces com fios de ovos. Havia ainda os importados: marrons-glacês, violetas cristalizadas, caules de angélicas e botões de rosa. Tudo devorado pós-cinema (outra novidade da época) na companhia de chás estrangeiros, ao som de uma orquestra.

Parte desse glamour foi mantido até os anos 1950, quando a confeitaria chegou a Copacabana, onde manteve filial em uma de suas principais avenidas. Diante da concorrência dos supermercados e da decadência do Centro, entrou em ocaso. Aos poucos, a memória do que foi passou a primeiro plano.

Hoje, em meio ao burburinho do comércio  intenso e popular no entorno da Rua Gonçalves Dias, a Colombo continua sendo um marco histórico. Mas os bocados que fizeram parte dessa história mantêm o apelo de ontem?

À MESA

Um dos desafios enfrentados por quem se propõe a escrever de forma crítica sobre lugares com tamanha importância na memória de uma cidade é a imposição de assumir distanciamento, de  modo a garantir uma análise tão objetiva quanto seja possível.

Ciente do desafio e disposta a este compromisso, a equipe de FEIRA convidou dois especialistas para acompanhá-la em uma degustação na famosa confeitaria: Laila Caminha, confeiteira carioca e fã confessa da atmosfera nostálgica das confeitarias centenárias do Centro do Rio, e José Pedro Fonseca, cozinheiro e padeiro à frente da CB Pane e fundador da Maison do Zé, extinta em 2018.

A avaliação conferiu objetividade à conclusão que subjetivamente já antecipávamos: o baixo padrão do que se produz na Colombo.

Nossa seleção incluía, além de biscoitos e tartes, alguns clássicos da casa, como pastel de nata, quindim de camisola, trouxa de ovos e pingo de tocha. Embora tenha sido promovida alguma modernização no cardápio, que hoje tem até hambúrguer e café coado na Hario, o apelo junto ao público ainda reside nas receitas tradicionais que fizeram a fama da confeitaria.

De modo geral, o que observamos foi uma produção sem frescor (vários doces experimentados evidenciavam longo tempo de refrigeração), pautada por falta de apuro técnico e estético, pouco apreço pela qualidade da matéria-prima e uso excessivo de açúcar.

Os biscoitos casadinhos com doce de leite, embora funcionassem bem como acompanhamento ao café, não resistiam a uma análise mais detalhista: ao doce de leite faltava sabor, na massa sobrava açúcar. O mesmo dulçor excessivo foi constatado nos recheios das tartes, cujas massas também não revelavam perícia técnica.

O pastel de nata e o quindim de camisola estavam abaixo da crítica, assim como a trouxa de ovos e o pingo de tocha: texturas inadequadas e notas artificiais no sabor.

Os leques, clássicos biscoitos da casa, comercializados em latas que emulam suas antigas embalagens, renderam certa dose de prazer: embora não estivessem dourados como de costume e o sabor artificial de baunilha se impusesse, estavam leves, crocantes e tinham o apelo afetivo de um símbolo da infância de muitos de nós.

Ainda que completamente destituída de valor gastronômico, a visita à Colombo encontraria justificativa exatamente no aceno a outros sentidos que não o paladar: a beleza arquitetônica do imóvel, seu valor histórico e cultural, enfim, a importância da sobrevivência de um estabelecimento centenário numa cidade cujo modelo de desenvolvimento urbano muitas vezes soterra sua memória.

 

CONFEITARIA COLOMBO
Rua Gonçalves Dias, 32
Centro – Rio de Janeiro

Nesta edição
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