Texto: Thiago Nasser
Fotos: Samuel Antonini
Fazia alguns minutos que o Recreio havia ficado para trás, e os prédios iam dando lugar às construções simples e bucólicas da semiurbana Barra de Guaratiba. Seguíamos por uma malcuidada estrada ladeada por mato alto. A falta de familiaridade com o cenário nos levou a pensar que estávamos perdidos, mas logo avistamos a placa sinalizando que havíamos chegado ao nosso destino: D’Alga Aquicultura Urbana, espaço de pesquisa e produção de algas comandado por um trio de pesquisadores.
Juntos, o biólogo Pedro Esteves, a oceanógrafa Beatriz Castelar e o zootecnista Marcelo Pontes produzem por semana cerca de três quilos e meio de algas da espécie Ulva fasciata, distribuídos para feiras e restaurantes no Rio de Janeiro. A escolha por tal variedade deveu-se ao fato de ser a um só tempo interessantedo ponto de vista culinário e adaptável a um ambiente controlado. Conhecida como “alface do mar”, “alga verde” ou aosa (como é chamada no Japão), pode ser consumida fresca ou como tempero, na forma de flocos secos ou como um pó fino, misturado ao sal.
Quando pensamos em alga como alimento, a associação imediata e óbvia é com as folhas verdes que se globalizaram juntamente com a culinária japonesa a partir da década de 1990 — o nori. Mas seu uso culinário é muito mais extenso e variado. Além do onipresente nori que envolve o sushi nosso de cada dia, temos, para citar apenas alguns exemplos, o kombu, que é a base do dashi, e a dulse, que é consumida na Irlanda, fresca ou em sopas e pães. Frita, seu sabor remete a bacon. Há centenas de variedades de espécies comestíveis, apreciadas por seu valor nutritivo, mas sobretudo por seu aroma (o que associamos a “cheiro de mar” nada mais é que cheiro de alga, ou melhor, do composto encontrado nela) e por seu sabor (o umami foi descoberto a partir de uma pesquisa feita com algas, ricas em glutamato). Essa combinação de mar e umami faz delas uma delicada bomba de sabor.
Por estas plagas, algas também abundam, embora estejam ausentes de nossa tradição culinária, sendo ainda pouco exploradas no Brasil. Com tanta fartura vegetal em terra, talvez nunca tenhamos tido motivação para nos voltarmos ao mar. No entanto, o interesse despertado pelo nori cria demanda por exemplares que não necessariamente cruzam nossas águas — Pedro Esteves nos informa que boa parte do nori que consumimos é produzida na China em condições pouco claras.
A decisão de produzi-las em tanques fincados em terra firme decorreu da impossibilidade de colhê-las em seu habitat natural. No caso das algas, a poluição torna difícil encontrar um produto bom e limpo próximo aos centros urbanos de consumo. O D’Alga consegue, de certa forma, driblar essa imposição, reproduzindo, dentro dos limites da cidade, condições de mar em ambiente controlado e quase autossuficiente.
A iniciativa aponta uma solução para a questão da escassez sob o viés gastronômico. Mas o problema maior permanece. Algas atuam como filtro dentro de seu ecossistema, algo como um canário dentro da mina de carvão: a superabundância de algumas espécies é sinal de poluição e desequilíbrio. A impossibilidade de consumo de algas que crescem em habitats poluídos é um mau prenúncio para tudo o que está acima delas na cadeia alimentar.
Modalidades de produção alternativa como essa são, ao mesmo tempo, um choque de realidade e um alento num horizonte em que a pesca artesanal em ambientes selvagens e outras formas de extrativismo marinho correm risco de virar passado. Para preservar o mar teremos que recorrer a laboratórios e criações em cativeiro? O artesão do futuro teria que ser também cientista?
Entre todos os barris na área de produção, havia um que não continha água, mas apenas pedras de onde brotava uma salicórnia. “Este talvez seja nosso próximo produto”, arrisca Pedro.
POR DENTRO DA PRODUCAO
Apesar da aparente simplicidade desse sistema, a quantidade de variáveis é interminável, e seu desenvolvimento é um trabalho contínuo de pesquisa para determinar as condições que maximizam as propriedades desejadas da alga, assim como seu crescimento.
1. O ponto de partida da produção são tanques cheios de água salinizada com sal grosso de Arraial do Cabo e povoados por tilápias, que consomem ração (mirando a autossuficiência, os produtores já planejam fazer sua própria ração num futuro próximo) e produzem matéria orgânica — o que poderia ser feito por outras espécies de peixe ou até camarões, ostras ou mexilhões, todos estes, animais filtradores.
2. Depois disso, a água já “fertilizada” é bombeada através de canos e submetida a luzes ultravioleta para impedir a proliferação de microalgas que poderiam concorrer com as macroalgas. Elas chegam a barris acomodados sob uma estufa, onde crescem as algas cuja matriz foi colhida num costão de Grumari. Nesse vaivém, elas florescem e são colhidas semanalmente.
3. Após a colheita, feita com peneiras, as algas podem ser comercializadas como “alface” ou seguem para o processo de secagem. Nesse caso, descansam por alguns dias num pequeno alpendre sombreado antes de serem levadas para uma estufa japonesa onde são desidratadas por 24 horas a temperatura de 50 graus.
4. Da estufa emerge um bloco seco de alga que pode ser peneirado através de tramas de tamanhos diferentes, resultando em flocos (comercializados como aosa) ou em um pó fino, misturado com sal.
D’ALGA AQUICULTURA URBANA
Estrada Leônidas Cardoso, lote 47
Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro
Visitas por agendamento:
dalga.aquicultura@gmail.com | (21) 98875-6333